sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sr. António, Marnoto de Lavos

Foi em 2005 que finalmente voltei ao meu sonho de infância: ir às salinas, apreciar e falar com os marnotos. No verão de 2005 fui às salinas de Lavos, na Figueira da Foz. E que bem que me fez!
As salinas tinham-me ficado na memória desde muito pequeno quando, na altura em que ainda existiam as salinas da Aldeia Nova, no Cabo do Mundo, ali mesmo onde nos anos setenta se implantou a refinaria da Sacor. Recordo-me que havia uma mulher, das que transportavam o sal em gigas com uma rodilha para equilibrar o peso na cabeça, que vinha regularmente beber um copo à loja que a minha mãe tinha no Largo da Igreja. O que me marcou acima de tudo foram as gretas que ela tinha nos calcanhares, suficientes para lá fazer entrar uma moeda de dez tostões. É que andar descalço no sal deixa marcas indeléveis.
Em Lavos encontrei o senhor António. Estava sossegadamente a preparar o almoço na sua cabana. Entrei, cumprimentei e não sei quanto tempo passou desde que começámos a nossa conversa. Foi um tempo sem fim. Ficámos amigos. Naquela solidão própria das salinas, fiquei com a certeza de ter mudado o meu dia e com a sensação de ter mudado o dia do senhor António. É óbvio que grande parte do nosso encontro foi registado em fotografias.
No ano seguinte voltei a Lavos e voltei a visitar as salinas. Procurei o meu amigo marnoto. Andava a reparar alguns dos canais  porque tinha chovido, a água da chuva tinha feito algumas asneiras e agora que o tempo estava de feição para o sal havia que reparar. Chamei por ele ao longe. Aproximou-se circunspecto.  Não me reconheceu de imediato, até porque tinha passado um ano e com a idade do senhor António há que ir devagar com os apelos à memória. O que é que o estranho quereria?
Eu tinha uma surpresa para ele. Já na cabana, tirei de um envelope uma das fotografias que lhe tinha tirado no ano anterior e mostrei-lhe. A primeira reacção foi dizer-me que já há muito esperava a fotografia, até porque tinha pago já não sei quanto. Disse-lhe que não, que não tinha pago nada e que provavelmente estaria a fazer confusão. Nessa altura fez-se-lhe luz e lembrou-se que, de facto, tinha aparecido um tipo qualquer a fazer fotos e a cobrar por elas e que mais tarde as enviaria, o que nunca mais aconteceu. Expliquei-lhe o que se tinha passado entre nós no verão anterior e desfez-se o engano. O senhor António, do alto dos seus quase oitenta anos, abraçou-me a chorar como um menino, como um pai, como um amigo de infância. Sei lá! Chorámos os dois e depois rimos com toda aquela história. Bebemos um copo de tinto tirado directamente do seu garrafão, à nossa saúde e amizade .  Prometi voltar no ano seguinte. Nunca mais lá fui e não sei o que é feito do meu amigo marnoto. Ficou a memória deste encontro fortuito. Um grande abraço amigo senhor António!

2 comentários:

  1. Para quem como nos cresceu à beira-mar, historias como esta do Sr° Antonio fazem-nos bem... é o tal regresso às origens, a essas origens que nos devolvem a alma!

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  2. Parabéns Quim, é sempre bom conhecermos, através destes testemunhos, vidas que nem sonhavamos que existiam. 1 abrc, AlexMartins

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