“Nenhum ser humano esquece o dia em
que o pai morreu. Dizem que é o momento em que nos tornamos adultos e o futuro
nos é confiado como chave de uma mansão de que somos enfim herdeiros. Fingimos
que assumimos a vida como senhores do nosso destino, mas a orfandade nada nos
oferece a não ser a solidão dos que se descobrem entregues à sua sorte.
Vivi essa tragédia pessoal numa jornada estranha, uma daquelas
tardes em que tudo parece suceder ao mesmo tempo, como se Deus jogasse com a
nossa desgraça tirando-nos com uma mão o que nos dá com a outra. A vida tem,
aliás, destas coisas. Tropeçamos nos anos como se estivéssemos anestesiados,
não passamos de sonâmbulos a vaguear por um sonho cujos contornos mal
discernimos, perdidos num labirinto tecido pelos mistérios que assombram os
caminhos abertos diante de nós. De repente, como por encanto, ou talvez graças
a um desconcertante passe de ilusionismo, os acontecimentos aceleram e tudo se
precipita.”
Foi o que se passou naquele dia em que entrei naquele
hospital. Franqueei o átrio como um animal acossado, ansioso e deprimido,
vergado pelo futuro que intuía incerto.
Olhei em volta e estranhamente
respirei o ambiente sereno que me rodeava. Nessa noite consegui dormir com o
meu novo estatuto de ter sido confiado a chave da mansão da minha orfandade.
(adaptado, sem autorização do autor, de “O Homem de
Constantinopla”, José Rodrigues dos Santos, edições Gradiva, Setembro de 20139
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