segunda-feira, 19 de outubro de 2009

TRÍPTICO "A Condição Humana"


De regresso da visita ao Forte de Breendonk, Malines, apeteceu-me pintar ou desenhar um tríptico sobre “a condição humana”.
Na falta de inspiração para pintar e sem a mais pequena dose de técnica para desenhar, aqui ficam alguns esboços, algumas linhas para este tríptico construído à volta de três painéis, ou três sentimentos distintos, mas todos eles interligados: a barbárie, a força e a honra e finalmente o reconhecimento.
Já praticamente tudo foi escrito e dito sobre estes sentimentos humanos. De todas as formas e cores, com tonalidades variadas. Contudo, nunca será demais insistir na necessidade de ter bem presente o que o Homem – na utilização do seu livre arbítrio bíblico – é capaz de fazer ou de que é capaz de se abster de fazer.
  1. A barbárie
É repugnante tudo o que se relaciona com o que de bárbaro somos capazes de cometer, seja por loucura, seja por interesses ainda mais vis. Contudo, repetir lugares comuns, dizer o que já tantos disseram sobre a barbárie, não sendo desnecessário, é fastidioso!

É costume dizer-se que uma imagem vale mais do que mil palavras.
A imagem da entrada no Forte de Breendonk ilustra infelizmente o que foi o calvário terrível de seres humanos provocado por homens que perderam – se alguma vez tiveram! – todo o sentido natural da existência humana.
Fica a imagem para repetir "Nunca Mais!", apesar da fraqueza da frase; impotente contra o que, depois daquele período triste da nossa existência, continua a acontecer nos nossos dias. Mesmo e ainda nos nossos dias! Devíamos ter vergonha de alguns dos nossos semelhantes!


(Forte de Breendonk, Bélgica)










  1. A força e a honra
Robert Maistriau foi um dos três heróis que, na noite de 19 de Abril de 1943, juntamente com Youra Livschitz e Jean Franklemont, munidos de apenas uma lanterna vermelha conseguiram fazer parar o tristemente famoso 20° Comboio que seguia para a Alemanha nazi repleto de prisioneiros previamente agrupados no Forte de Breendonk (http://www.breendonk.be/). Graças à acção destes três heróis, mais de 200 prisioneiros foram libertados, alguns dos quais vindo a ser novamente apanhados pelos alemães. Trata-se de um feito heróico e único na história da Segunda Guerra mundial dado que terá sido o único comboio interceptado pelos resistentes. (Vale a pena ler "Rebelles silencieux-l'Attaque du 20ème convoi pour Auschwitz", de Marion Schreiber, éditions Racine, 2002).
Tive a felicidade de assistir, juntamente com um punhado de pessoas, no local onde ocorreu a operação, em Boortmeerbeek, em plena linha de caminho de ferro, no dia 19 de Abril de 2003, à descrição do ataque ao 20° Comboio feita na primeira pessoa pelo próprio Robert Maistriau. Depois desse dia, sempre me interessou estudar a força de carácter, a coragem, mas acima de tudo a modéstia de Robert. Assisti emocionado ao seu funeral, na manhã do dia 1 de Outubro de 2008 na Igreja de Woluwe St. Lambert, Bruxelas. Robert tinha falecido na noite de 25 para 26 de Setembro, com 87 anos de idade. Foi considerado um herói nacional. E com todo o mérito!

Obrigado Robert Maistriau.


(Robert Maistriau)








  1. O reconhecimento
O desembarque das forças aliadas nas praias francesas da Normandia foi talvez o maior desastre militar dos últimos séculos. Foi também, sem sombras de dúvida, a maior e a mais sincera expressão de amor e de desapego à vida por parte dos soldados aliados, porque estava em jogo não só o futuro da Europa que havia caído nas mãos nazis, mas também da Humanidade. Mais de 5.000 soldados canadianos perderam a vida no desembarque!!!
Passados mais de sessenta anos sobre a data do desembarque é ainda emocionante visitar os locais onde milhares e milhares de jovens britânicos, americanos, canadianos, etc., perderam a vida. É emocionante porque o tempo não apagou absolutamente nada do que foram aqueles dias terríveis. A memória lá está, intacta!
Foi numa visita com contornos turísticos que assisti em Maio de 2006 a um acontecimento que, pela ordem natural das coisas, vai sendo cada vez mais raro: o encontro com um velho soldado canadiano que, tendo desembarcado na costa francesa e sobrevivido, nunca mais lá tinha voltado. Descobrimos, juntamente e em simultâneo com o Caporal Steve Charchalis, já com cerca de 82 anos, o seu nome no memorial erigido na "Juno Beach" em honra dos soldados que participaram na operação.
É sempre emocionante este tipo de encontros. Quase se diria ser um encontro impossível ou improvável, se pensarmos que, passados tantos e tantos anos poucos restam dos que em meados desse século vinte já tão distante deram a vida pelos outros, sem contudo os conhecer.
Mas o ser humano tem forças de reserva para todas as surpresas! E é num cenário quase minimalista que surge do nada o sentimento mais nobre da parte todos os que recebem e quase nada têm para dar a esses valentes soldados. O agradecimento pela vida!
Um homem de estatura corpulenta, holandês, na casa dos cinquenta e cinco, sessenta anos, passeando o seu capacete de motard, não resistiu e fez o que só quem viveu nos países vítimas da guerra poderia fazer. O homem aproximou-se de Steve Charchalis, quase se pôs de joelhos e agradeceu-lhe. Agradeceu-lhe por ter libertado o seu país, a Holanda, do jugo nazi e de ter dado de novo a esperança a uma Europa destroçada e destruída. Não faltaram as lágrimas soltadas daquele corpo imenso, daquele sentimento profundo que provavelmente aguardava há muito para se soltar. Também nós soltamos algumas lágrimas.
Obrigado Caporal Steve Charchalis!






(Fotos, por J. Silva Rodrigues)

1 comentário:

  1. Há alturas em que uma pessoa se sente mesmo pequenina no meio de tanta grandeza...

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