quarta-feira, 7 de outubro de 2009

José Saramago Prémio Nobel da Economia 2009


Todos os dias assistimos passivamente ao desenrolar de notícias, umas mais deprimentes e mais tristes do que outras: despedimentos, encerramento de empresas que até há pouco eram estrelas da economia florescente, empresas que um dia proporcionavam lucros fabulosos e no dia seguinte entram numa espiral de desastre, acumulando prejuízos atrás de prejuízos. Nos últimos dias assistimos, também impávidos (embora não serenos) e desarmados, ao drama de empregados da France Telecom que não encontram outra saída para a sua crise pessoal que não seja o suicídio. 24 suicídios num curto espaço de tempo!!! E a culpa parece não ser enjeitada por quem sonhou um dia poder reorganizar, optimizar, racionalizar uma grande empresa sem sequer provavelmente se colocar a questão sobre o facto de estar a mexer na vida dos empregados dessa empresa. O importante era racionalizar e não deixar baixar os lucros!!!

Chegou a época do ano em que são atribuídos os prémios pela Academia Nobel. Invariavelmente teremos as maiores sumidades da literatura, da ciência, enfim daquilo que mais requintado e fino supostamente existe no domínio do conhecimento humano. Tivemos já a atribuição dos Prémios da Medicina e da Física. Daqui por uns dias, à Química seguir-se-á a Literatura, a Paz e finalmente a Economia.

Todos os anos temos novas sumidades, cérebros que estiveram ocupados durante anos e anos a pensar, a repensar, a investigar e a tirar conclusões. Todos os anos temos um ou vários laureados com o Prémio Nobel da Economia. Todos os anos temos novas teorias, umas mais complexas do que outras, mas nem por isso menos interessantes. Contudo, uma coisa parece não sofrer contestação: o mundo da economia está cada vez mais complicado, parece ter cada vez mais segredos, oferece cada vez mais hostilidade e agressividade, sobretudo a quem desse mundo depende, ou seja, todos nós.

Apetece por vezes pensar que os economistas não são cientistas! Cientistas, esses sim são os filósofos! Os economistas passam o seu tempo a escrever leis – ditas leis da economia – que se adaptam ao mundo em que vivem. Não criam, ou inventam (como seria de esperar) fórmulas novas (para não dizer milagrosas) nem demonstram espírito inovador.

Se não fosse isto verdade, como se explicaria que as maiores catástrofes, como é esta crise económica e financeira internacional que todos conhecemos, surgissem praticamente inesperadamente, com consequências para as quais tardam os remédios e em relação às quais as maiores sumidades parecem viver em completo alheamento.

Se calhar deveríamos ter sumidades da economia vindas, não do mundo unicamente da academia económica, mas de outros sectores por ventura mais atentos ao mundo real, aplicando à letra o que de muito se falou recentemente: os impactos nas crises na economia real. Ora, parece que, do que falam as sumidades do mundo da economia nada ou pouco tem a ver com a economia real.

Há precisamente 11 anos Portugal teve um cidadão laureado com o Prémio Nobel da Literatura: José Saramago. Já nessa altura com o ar taciturno que o caracteriza e com cara de poucos amigos, José Saramago explicou como chegou ao ponto de escrever livros.

“Escrevo livros de que necessito para compreender. Enquanto autor, faço esta pergunta: “Mas o que é isto?” e não a pergunta clássica: “De onde vimos e para onde vamos?”. Para mim a verdadeira questão é “Quem somos nós?” E é para tentar aproximar-me um pouco mais, para tentar aproximar-me dessa sabedoria quiçá inacessível, que escrevo para dizer antes de mais: “Aqui estamos!” e perguntar aos leitores: “Quem sois vós?”

José Saramago encarnava nesta sua explicação dada aos alunos da Escola Europeia de Bruxelas, em Março de 1998, o cidadão que se coloca questões de princípio mas que, em regra, não fazem parte das frases célebres das ditas sumidades do conhecimento humano.

José Saramago, no seu raciocínio (por ele próprio considerado simplista) continuava: “Somos capazes de fazer uma fotografia de algo que se situa a 400 milhões de anos luz da Terra, com uma acuidade que é a acuidade do nosso olhar. Não temos a mesma acuidade suficiente para ver muito simplesmente o nosso semelhante, o que está ao pé de nós. A diferença está no facto de nós estarmos aqui e não no espaço sideral… Esta cegueira resulta de uma falha elementar: devíamos respeitar o próximo! O que nos falta é o respeito pelo próximo!”

Com base nestas premissas, que normalmente não levariam a lado nenhum porque se trata de ideias ou de resultados de observação empírica ao alcance de todos nós (ou praticamente todos) José Saramago vai mais longe e avança para a sua tese, essa sim absolutamente científica, na medida em que responde a dados seguros e provados e não merece contestação por parte da comunidade dita científica.

“Penso que o percurso que fazemos devia ser mais longo. Podem dizer-nos que a História não espera. Por isso, vivemos neste fim de século XX (estávamos em 1998) a uma velocidade e um progresso que aceleram de forma geométrica e não esperamos por aqueles que ficam para trás. Acho que temos que aceitar o progresso. Mas um progresso mais lento.

Antes de receber o Prémio Nobel da Literatura eu costumava dizer que era autor de teoria económica que um dia talvez me pudesse trazer o Prémio Nobel da Economia. É o que chamo “desenvolver para trás”! E para quê? Muito simplesmente para nos aproximarmos, nós os desenvolvidos, nós os cultos, nós que comemos três vezes por dia, daqueles milhões e milhões e milhões que ficaram e ficam para trás…”

Julgo que José Saramago, mesmo sem ter sido nomeado pela Academia, merecia ser o laureado do Prémio Nobel da Economia 2009.



(Todas as fotografias são de J. Silva Rodrigues, Bruxelas, Março de 1998)

3 comentários:

  1. Parece-me que 99% da população mundial já tinha percebido na pele que o tipo de sociedade que estamos a construir só interessa a meia duzia de especuladores. Aqueles defensores acérrimos da não intervenção do estado nos mercados...excepto quando elas precisam do dinheiro para não irem à falência. VIVA O LIBERALISMO !!!!

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  2. Há coisas que,sinceramente,não podem ser feitas: por exemplo "desenvolver para trás" embora perceba o que Saramago quer dizer com isto.Parece-me que o chamado desenvolvimento sustentado ilustra melhor o conceito a que ele se refere. E o desenvolvimento sustentado não pode ser conseguido deixando para trás aqueles que,por uma razão ou por outra, "perderam o comboio" quando estavam quase quase a chegar à estação-não é a isto que se chama inclusão?
    Um abraço HBS (obrigada)

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  3. Obrigado pelo comentário.
    Quando Saramago falava da sua concepção de desenvolvimento estávamos ainda a léguas de distância da noção de desenvolvimento sustentado que é fresco do século XXI. Realista como é, Saramago não propunha o impossível mas tão só uma chamada de atenção para a nossa avidez de querer mais e mais, sem olharmos para trás. Infelizmente a realidade continua a dar-lhe razão. Eu bem gostaria que assim não fosse...

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