quinta-feira, 6 de maio de 2010

CABO DO MUNDO - O MEU PROMONTÓRIO

Cabo do Mundo
 J. Silva Rodrigues
(copyright)

Este último fim-de-semana foi tempo de reencontro com o passado, com o meu passado em Perafita, em especial no regresso à minha praia. Ao meu rochedo que, noutros tempos de mais juventude, chamámos de "Casino", sendo fácil adivinhar porquê: quantas partidas de cartas, de lerpa, etc. se jogaram naquele local abrigado das nortadas e também dos olhares indiscretos e mais críticos. Contaram-se histórias, esvaziaram-se alguns copos, discutiu-se o futuro do mundo e apontaram-se soluções para a humanidade. Só que, como a nortada passava por cima, nunca levou mais longe os desideratos daquela juventude que acreditava sonhar. Sonhar junto ao mar, junto à rebentação, na rudeza das fragas imutáveis mas sempre hospitaleiras.

Aproximei-me do "Casino" como um filho pródigo que regressa à casa que nunca se esquece. O bailado, saltando de pedra em pedra, foi o mesmo de sempre. Os pés têm uma memória por vezes superior à da cabeça: raramente se enganam porque pensam por si, sem serem estorvados por outras recordações. Chegar ao Casino de olhos fechados seria sempre possível, tal é a memória. Nem mesmo a erosão engana os pés. Talvez não tenha havido erosão porque os rochedos ainda lá estão para muitos mais passados e futuros. São milhões de anos, tantos quantos duram os passados.


O meu promontório - Cabo do Mundo
Maio 2010
J. Silva Rodrigues
(copyright)

Do meu promontório voltei a ver as Américas e os Brasis de outros tempos. Nos intervalos do "horário de funcionamento do Casino" víamos os navios a partir na direcção de um oeste que, pelo tarde da praia, se confundia com o pôr-do-sol. Curioso como o sol teimava em deitar-se para descanso sempre naquele sítio, naquela direcção. A mesma por onde seguiam os nossos navios.

O meu promontório foi ponto de chegada e de partida, mas sempre ao abrigo da nortada. As velas enfunadas pela nortada só levavam os navios porque não se acolhiam no "Casino". Este, sim, por vinte e cinco tostões deixava que decidíssemos o futuro do mundo e fossemos para longe, para muito longe.

Do meu promontório parti para longe e hoje regressei...

Cabo do Mundo
Maio 2010
J. Silva Rodrigues
(copyright)

5 comentários:

  1. Muito sentimento...;) bonito, que belo pais o nosso apesar dos "apesares" :)obrigada por mais esta viagem!

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  2. Uma descrição fabulosa do local e do tempo (bem) passado. Os que estão longe sentem estas descrições da nossa terra de outra maneira. Sempre escreveste bem, mas a idade refina quase tudo. E no teu caso tornou-te um escritor. Para quando um livro.
    Abraço
    M. Bragança

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  3. É estranho como o tempo se transforma em sentimento e fica, contraditoriamente, intemporal. Entre o ontem e o hoje vai um salto de memória, um fechar de olhos ... e estamos de novo lá.

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  4. Fabulosa, Sedutora e Encantadora descrição do que lhe vai na alma. Senti-me a entrar no Casino.
    Quão diferente de outras descrições Fastidiosas, Sensaboronas e Enfadonhas que nos são dadas a ler em outros contextos.
    Concordo com o Manuel José: Para quando um livro? Repleto, claro, de belas fotos.
    Karla Moura

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  5. Pois, há algo de animalesco nesta nossa necessidade de regressar às origens, terra, ar ou mar...até mesmo os cheiros. Será que a teu casino não tem um cheiro bem especial?? tem de certeza mas não te deixes inebriar porque a idade já não é a mesma, para andares a saltar de calhau em calhau. Estou contigo...

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